Maria Thereza Noronha é mais um desses poetas que constroem, discretamente, sem alarde nem foguetório, uma obra poética.
Natural de Juiz de Fora (Minas Gerais - BRASIL). Formou-se em Direito pela Universidade Federal daquela cidade, tendo trabalhado como advogada no Banco Nacional de Habitação e na Caixa Econômica Federal no Rio de Janeiro, onde ainda reside.
No Tempo em Que a Canção
A música eletrônica me faz nervosa e insone
centopéia no ar gritando com cem pernas
queria envelhecer ao som do gramofone
no tempo em que a canção era abafada e terna.
O tempo onde o mocinho vencia o bandido
e a vida em preto e branco alternava mistérios
vivia-se e ninguém falava ao telefone
e o pai levava o filho a ver o trem de ferro.
Vivia-se e ninguém falava em Microsoft
e a vida, delicada, punha os pés na terra
queria envelhecer ao som de um foxtrote
no tempo em que a canção era abafada e terna.
SIMPLICIDADE
O que por mar vier não sendo barco
alga coral peixe retardatário
será de mim o que deixei alhures:
praia perdida de remoto mar.
O que por ar vier não sendo asas
— aeronave ou ave migratória —
rumor será de vento nas acácias:
rota antiga de um sonho perdulário.
O que por terra vier será bem-vindo
como bem-vindas são as coisas simples,
estratégia e rotina se alternando:
legada a insanidade aos altos píncaros.
De O Verso Implume (2005)
CARPE DIEM
Como da rotina desencravar
o dia
(banho, café, jornais,
cartas a escrever, contas a pagar)
e estendê-lo para secar
ao sol de maio?
O dia sem véspera
ou promessas vindouras
sem a face encovada da dúvida.
E, então, nos olharíamos e eu diria:
olá, dia.
Vamos juntos à praia ou ao cinema
ou fiquemos apreciando o pôr-do-sol
que de teu dorso escuro se irradia.
E o dia, gema posta a brilhar
ao sol de maio,
com a dureza e o mistério dos dias,
em fios iridescentes se envolveria.
E, fixando-me os olhos,
me cegaria.
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